Prezados leitores,

A quarta edição da Revista Discente Expressões Geográficas se desenvolve em meio a uma profundidade de eventos que mudam rapidamente o panorama das relações mundiais, até bem pouco tempo caracterizadas pelo “fim da historia”. O crescimento da China como projeto hegemônico no oriente, as eleições nos EUA e o contexto de crise econômica naquele país, as invasões ao Iraque e à Palestina – entre as últimas versões da moderna dominação econômica e política imperialista – convivem com o permanente flagelo do continente africano e a difusão crescente da pobreza entre os demais territórios do “mundo globalizado”, nos quais a crise de alimentos contrasta com a insistência dos governos em utilizar a terra para a especulação privada e, quando muito, para a produção de agroacombustíveis sob formas monoculturais. Por sua vez, o ressurgimento de governos baseados em movimentos populares na América Latina, tendo como paralelo a reação geral de nosso planeta à degradação sócio-ambiental, desvelam, além de contradições profundas no modo de produção da sociedade, aspectos dinâmicos da evolução do espaço geográfico na atualidade.

No território latino-americano, o Brasil se consolida como uma potência econômica diante de um paradoxo: de se converter em liderança a fim de realizar um projeto de desenvolvimento para a região, ou para uma espécie de sub-imperialismo que cumpra com a manutenção das relações de dependência e dominação do capital em nível mundial; especialmente, dos interesses estadunidenses em conter o avanço das propostas dos governos da Venezuela, Equador e Bolívia, mantidas unitariamente por apoio popular apesar das singularidades que repercutem em cada caso. Nesta região, a necessidade de integração dos movimentos populares se sucede, também, em vista das mais claras tentativas de monopolização do conhecimento científico, especialmente na fase pós-industrial do desenvolvimento capitalista, incluindo o controle da produção das Universidades como estratégia das grandes unidades de produção capitalistas.

Neste quadro, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes para a reprodução de suas atividades cotidianas, entre elas a organização em caráter soberano e gratuito de uma revista científica, aparecem como resultado adicional do processo de apropriação do território nas Universidades Públicas Brasileiras – que apontam para o predomínio das ações privatizantes do território, cuja solução depende do êxito da sociedade na superação dos limites impostos pelas formas atualmente hegemônicas das relações sociais. No momento, observa-se no Brasil a forte investida de fundações, dentre outras instituições de caráter privado, sobre o território das Universidades Públicas. A exemplo do que ocorre na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde a administração superior assume, na figura do novo Reitor, a proposta de criação de uma Pró-Reitoria voltada a contemplar assuntos internacionais, os agentes econômicos privados preparam-se para negociar os interesses da produção social de conhecimentos científicos em escalas cada vez mais mundializadas, nas quais predominam – pelo menos até agora – os interesses do capital produtivo, financeiro e monopolista.

Para nós, entretanto, vale lembrar Milton Santos, cuja percepção enfatiza que, para além da dominação das verticalidades sobre o território usado, coloca-se a possibilidade das horizontalidades, também presentes no território, se conectarem em favor dos interesses sociais emergentes, num contexto contraditório em desenvolvimento. Considera-se assim, que, não são só as necessidades da globalização capitalista se fazem sentir no território, mas que as próprias demandas da sociedade se intensificam com o reforço da acumulação capitalista. Destaque-se que, no caso das horizontalidades, não apenas interessam as escalas maiores, mas, muitas vezes, sua reconstrução a partir das menores escalas territoriais.

Ganha, assim, interesse a organização de estudantes e trabalhadores, imediatamente, nos seus locais de estudo e trabalho. Por isso chamamos atenção adicional para o que se vem produzindo no ambiente do Departamento de Geociências da UFSC, marcado no período atual pela criação do curso de graduação em Oceanografia e pelas mais novas mudanças da representação discente no colegiado do Programa de Pós-Graduação em Geografia que reduzem a participação estudantil a uma proporcionalidade de um quinto do total de professores do Programa, substituindo a representação universal que tradicionalmente vigorou nesse Colegiado. Tanto num caso como noutro, esforçar-nos-emos para que não se constituam maiores cisões entre estudantes e profissionais do Departamento; assim, para que ao invés de nos enfraquecer, os eventos aludidos possam consubstanciar-se como elementos de uma nova coesão no Departamento de Geociências da UFSC, para a solução de nossos problemas coletivos.

Com isso, apresentamos os desafios que temos pela frente, em vista dos quais, saudamos a nova edição da Revista Discente Expressões Geográficas. Neste quarto número, entregamos ao público, uma instigante entrevista com a Professora Maria Laura Silveira (Geografia Humana - USP) que nos apresentou uma discussão sobre vários conceitos pertinentes à Geografia e à obra do Professor Milton Santos, entre eles os conceitos de rede e de apropriação do território. Tivemos também o prazer de receber e poder prestar uma justa homenagem ao Professor Emérito da Universidade de São Paulo, Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, intitulada “A geografia é poética”, de autoria de Sônia Maria de Araújo Cintra. Na seção Artigos publicamos quatro ensaios: “As redes e a relação campo-cidade no município de Francisco Beltrão – PR, de autoria de Marcos Leandro Mondardo; “Desenvolvimento endógeno, projeto meu lugar e uma nova ontologia social para pensar o local”, dos autores Fábio Pádua dos Santos, Elder Figueredo Arceno e Luiz Couto Corrêa Pinto Filho; “MST: a materialização de sujeitos transitórios engendrando elementos da superação do capitalismo (homenagem e reconhecimento à luta de Miguel Matias Utzig Muller), dos autores Miguel Matias Utzig Muller, João Claudino Tavares e Idaleto Malvezzi Aued; por último, “Vulnerabilidade da rede hidrográfica do Estado de Santa Catarina, ante o avanço invasor do mexilhão-dourado, Limnoperna Fortunei (Dunker, 1857), de autoria de Aisur Ignácio Agudo-Padrón. Já na seção Relatório de Campo, apresentamos o trabalho “Relatório de Excursão: Geologia, Estratigrafia, Evolução Petrográfica e Mineralização de Gemas da Formação Serra Geral na Região Sul do Brasil”, dos autores Andréa Regina de Brito Costa Lopes, Solange Franciele Vieira e Luiz Fernando Scheibe. A Revista apresenta também uma série de doze resumos de monografias, nos quais participam profissionais recém formados em Geografia e áreas afins. Com mais esta publicação, a Revista Discente Expressões Geográficas pretende contribuir para a reelaboração necessária dos destinos da existência social, notadamente, através do recurso à ciência da ação e emoção humana.
Tenham todos uma ótima leitura!

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